Já faz um bom tempo que eu ensaio começar uma série de posts aqui no meu cantinho, com o objetivo de retratar as mesquitas brasileiras, e eu considero que este é o ponto inicial desta série.
O objetivo da série de posts que eu pretendo desenvolver é mostrar, retratar, e contar sobre as mesquitas brasileiras, porque muitas pessoas neste país não sabem que temos mesquitas realmente importantes e lindas, e são muitas...
Além de serem muitas, este número está se elevando cada vez mais, graças ao crescimento espantoso do Islam no Brasil nos últimos tempos, acompanhando a tendência do crescimento visível do Islam no mundo todo.
O Islam é a religião que mais cresce atualmente no mundo mashallah!!
E tudo isto estava previsto pelo Profeta Muhammad (saws).
Para começar esta série, eu pensei em falar um pouco de uma mesquita que não existe mais, e que não deixou qualquer registro iconográfico sobre ela.
Falo desta mesquita porque esta é considerada como a primeira mesquita que foi construída no Brasil, e embora eu considere que falar sobre "primeira" é algo complicado e muitas vezes convencional, resultado de convenção, até que se prove o contrário esta realmente pode ter sido a primeira: a Mesquita dos Malês, em Salvador (BA).
Sua demolição inclusive é apontada como um dos fatores que levaram à Revolta dos Malês, um importante movimento popular que ainda não teve o seu devido mérito reconhecido na história do Brasil.
Mas, afinal de contas, quem eram os Malês?
"Malê" é um termo que tem origem no termo iorubá "imale" e significa justamente "Muçulmano", e os Malês eram pessoas trazidas como escravos para o Brasil, de origem Nagô. Eram muçulmanos africanos.
Isto mesmo, o Islam chegou ao Brasil pela primeira vez através da África, com os muçulmanos africanos que aqui chegaram como escravos.
Estes eram uma elite intelectual. Muito mais desenvolvidos culturalmente que os seus "senhores brancos", os malês eram em geral bilíngues e alfabetizados em árabe.
Aqui encontraram com uma forte repressão cultural e religiosa que obrigava todos, livres e escravos, a se converterem ao catolicismo, mas mesmo assim resistiram como todo bom muçulmano e continuaram a praticar a religião de Deus.
Estes foram os responsáveis pela abertura das primeiras mussalas e madrassas em solo brasileiro, e também pela construção da primeira mesquita, localizada no distrito de Vitória, em Salvador (BA).
Ela era apenas uma simples palhoça, erguida por dois escravos malês cujos nomes eram James e Diogo, pertencentes ao inglês Abraham Crabtree.
Com a autorização deste, os dois construíram a mesquita no quintal da residência do mesmo. Ali rezavam e ensinavam, e ali se reuniam os grandes líderes islâmicos entre eles como os alufás Mama, Buremo e Sule, cujos nomes cristãos eram Dassalú, Gustard e Nicobé.
Em 1835, a mesquita dos Malês se tornou o centro islâmico mais atuante da Bahia, porque existiam outros como a mussala existente na casa do alufá Manoel Calafate, e também na residência do liberto nagô Belchior e na venda do Mestre Dandará, no Mercado de Santa Bárbara.
Mas a mesquita se tornou o centro da vida islâmica na Bahia, sendo importante para a Dawah malê e para a congregação da comunidade islâmica.
A mesquita foi demolida por ordem do mesmo homem que autorizou a sua construção, Abraham Crabtree, temendo problemas decorrentes de reclamações à respeito da celebração do Lailatul Miraj, a viagem noturna do profeta Muhammad (saws) aos céus.
Esta celebração, que aconteceu em 29 de novembro de 1834, um sábado (26 de Rajab do calendário islâmico), reuniu grande número de fiéis. E foi interrompida pelo inspetor André Marques, que era inimigo declarado dos malês.
Alegando que os mesmos estavam prejudicando o sossego dos vizinhos, ele forçou os malês a se dispersarem e fez queixa ao juiz da freguesia da Vitória que, por sua vez, queixou-se a Abraham Crabtree.
Este fato, aliado a outros como o encarceramento do Iman Pacifico Licutan por dívidas de seu "dono", além da situação de escravidão claramente contrária ao conceito islâmico e à repressão religiosa, acabaram resultando na Revolta dos Malês.
Após a derrota da revolta, muitos malês foram deportados para a África (Benin).
Dos que ficaram no Brasil, uns migraram para o Rio de Janeiro, e outros permaneceram em Salvador. Hostilizados e imersos na população de afro-descendentes, começaram a perder a sua identidade e a adquirir novos costumes e crenças. Em Salvador, os malês pós-levante exerciam atividades de marceneiros, pedreiros, professores, douradores de imagens. Houve até um deputado e conselheiro do Império - o médico baiano Salustiano Ferreira Souto (1814-1877), que, ao falecer, foi enterrado com os rituais islâmicos.
Trecho do Alcorão, escrito em árabe, encontrado com um dos aprisionados após a derrota da Revolta dos Malês, documento original que prova que o Islam faz parte do Brasil desde o início de sua formação.
Esta é a história da mesquita de Salvador construída pelos malês. Lamento não ter nada em termos de gravuras e iconografia sobre ela, e duvido que a sua exata localização seja conhecida hoje.
No próximo post, vou falar daquela que é considerada a primeira mesquita do Brasil já no século XX e que eu tive a felicidade de visitar com a minha querida irmã Halima, a Mesquita Brasil, localizada no bairro do Cambuci, em São Paulo.
Salam!