Não há Justiça com Preconceito e hipocrisia
Respondendo à Luiza Nagib Eluf
Tive a infelicidade de ler um texto escrito pela Digníssima Doutora Luiza Nagib Eluf e publicado no Jornal Folha de São Paulo na sessão Tendências e Debates.
Infelicidade porque o texto me fez sentir vergonha alheia, me fez sentir decepção com alguém que pelo seu histórico me inspirava maior expectativa e confiança, infelicidade porque considero este mesmo texto uma mancha de gordura em tecido branco na carreira pública da Digníssima Doutora, daquelas que nem o tempo e nem a água poderá apagar.
No referido e infeliz texto, a Digníssima Doutora discorre sobre os movimentos de libertação das ditaduras podres e corrompidas que acontece agora nos países do Oriente Médio, mas focaliza sua atenção na questão das mulheres dentro destes países.
Mas infelizmente o que se lê é um verdadeiro desfile de preconceito, hipocrisia, demonstração de total falta de conhecimento sobre o foco de sua crítica, e total desrespeito para com o outro, julgado, rotulado, qualificado e criticado segundo as suas próprias visões de mundo e de ser humano, e não respeitado em suas diferenças que são antes de tudo qualidades, e não defeitos.
Alega a digníssima doutora que:
“ Antes de qualquer análise, porém, é preciso lembrar que estamos falando de uma região que concentra maioria esmagadora de seguidores do islamismo. Nesse contexto, é impossível prever qual a influência dos cânones religiosos na reestruturação que está por vir.
Embora muitos argumentem que alguns dos países em transformação têm tradição de Estado laico, como o Egito, as imagens internacionais evidenciam a forte presença religiosa entre os sublevados, fazendo crer que o potencial de crescimento da Irmandade Muçulmana não deve ser subestimado.”
Antes de mais nada é preciso esclarecer à digníssima autora de tal verborragia infectada, que os países do Oriente Médio são países cuja maior parte da população segue o Islam, são muçulmanos, jovens, cansados da corrupção e exploração patrocinada por ditadores habilmente colocados ou mantidos no poder por sujo jogo de vários interesses externos, que se mobilizaram via internet em diversos movimentos que culminaram com a derrocada da ditadura egípcia, e por conseguinte inspiraram os movimentos nos outros países da mesma região.
Estes não procuram nada além da volta justamente à sua verdadeira identidade e a sua dignidade roubada por um bando de usurpadores do poder.
Estes não buscam valores ocidentais mas os seus próprios valores dentro de sua própria realidade, há muito esquecidos e empoeirados pela farta distribuição de miséria, injustiça social e ignorância promovida por aqueles que detém o poder de forma brutal a várias décadas.
E é lógico que vemos muçulmanos participando destes movimentos, são o povo, é a religião do povo, é algo perfeitamente natural.
“As maiores vítimas da repressão, as mulheres, gritam através da burca que lhes cobre o corpo, o rosto, a boca. Amordaçadas, apenas com os olhos descobertos, elas querem participar e tentam se fazer ouvir.
O que é uma mulher no islã? Sobre isso, os articulistas brasileiros pouco têm falado.”
Se os articulistas brasileiros pouco têm falado à respeito das mulheres no Islam, a doutora também nada falou, ou melhor, falou sim, de seus próprios medos e conceitos distorcidos, de sua falta total de conhecimento à respeito do Islam, de seu preconceito fruto justamente deste total desconhecimento, de sua hipocrisia ao querer tentar passar uma imagem de que a mulher muçulmana é oprimida já que não deseja o que ela deseja, não compra o que ela compra, não cohabita das mesmas idéias que ela, não se parece com ela, enquanto escreve confortavelmente instalada em um país que assassina mais de 2 mil e quinhentas mulheres por ano, onde 5 mulheres são espancadas dentro de sua própria casa a cada 2 minutos, onde uma mulher é obrigada a se expor semi-nua senão “há algo de errado com ela” e é vendida como aperitivo e carne de açougue, obrigada a rebolar e mostrar o corpo ao mundo em propagandas de cerveja e festas populares, onde todas são obrigadas a serem assim, senão certamente estão doentes né?
E neste sentido a digníssima autora do texto acaba escorregando e fazendo uma grande confusão entre cultura e religião, entre os seus valores e a possibilidade de que há pessoas no mundo que não compactuam destes mesmos valores, mas acima de tudo se mostra injusta com toda uma nação religiosa e mostra e incentiva o preconceito contra toda uma religião quando contribui mais uma vez para perpetuar uma história única, e poucas coisas no mundo são tão venenosas para uma sociedade quanto a História Única.
Alega a digníssima autora em seu malfadado texto, por exemplo, que
“Nem se diga que as mulheres são felizes exercendo o papel que lhes foi reservado pelos conservadores, que elas não precisam de mais nada além de obedecer aos maridos e ter filhos, que usam o véu espontaneamente e que precisam dos homens para se sentir protegidas. Enfim, que tudo se justifica pela tradição cultural.”
Bem, vou começar fazendo a seguinte pergunta: porque as muçulmanas não podem de forma alguma usar o véu esponaneamente? Porque a Doutora não gosta? Porque não faz parte de sua realidade ou seus valores?
Quem deu o direito à digníssima de julgar os outros segundo seus próprios valores? Acaso é ela detentora de um super poder de julgar a qualidade desta ou daquela escolha e suas escolhas são supremas? Magnânimas e incontestáveis? Que arrogância é esta? Será que ela chegou a perguntar para uma muçulmana porque ela se cobre? Acaso ela já soube algum dia que muitas mulheres em muitos lugares do mundo fizeram questão de voltar a usar o véu assim que suas regiões se libertaram da VERDADEIRA ESCRAVIDÃO IMPOSTA pelo Ocidente em suas invasões e colonizações que se tornaram verdadeiros exercícios de pilhagem, inclusive da alma, e dos corpos destas mesmas mulheres?
Quanta hipocrisia e preconceito reunidos em uma só pessoa, fico aqui me perguntando se não há propósito nisto, mas eu prefiro crer que na verdade trata-se de um derrame de tensões e raivas pessoais acumuladas, porque não me arrisco a colocar em dúvida a honestidade da mesma que escreveu estas perdidas palavras deste texto ofensivo.
E o que ela poderia dizer às milhares de estudantes universitárias que são a grande maioria na maior parte das universidades do oriente médio, as profissionais com título de doutorado e PHD que existem na mesma região?
E como será que a digníssima doutora explicaria o fato de que a boneca de maior vendagem no Oriente Médio, a Fulla, uma muçulmana, modelo para as meninas da região, adulta e bem resolvida, com casa própria, tem profissão e um dos kits de vendagem é justamente o seu consultório de dentista completo?
Pois é doutora, a Senhora escorregou na casca da banana com este texto, e eu só lamento que a sua voz se some à voz das pessoas que ousam dizer que o mundo tem de ser um só, que precisamos de uniforme social, que temos de ser todos iguais e o diferente de mim é o errado e não apenas o outro que não é minha cópia.
Pois é doutora, a Senhora nada, NADAAAA sabe sobre o Islam, senão saberia que a mulher no Islam não carrega a culpa de Eva e o seu consequente pote de maldições que leva toda a sociedade à perdição, senão saberia que estes jovens que justamente se voltam à religião e reinvindicam o fim das ditaduras podres e mantidas pelo dinheiro judeu e ocidental buscam justamente a volta de seus próprios valores sociais expressos no Islam, que diz que é obrigação de todo muçulmano e de TODA MUÇULMANA a busca pelo conhecimento do berço ao túmulo, que respeita a mulher a ponto de não lhe impor um sobrenome do marido como simbolo de sua dominação e propriedade, que usa sim o véu com orgulho porque gosta, e não critica a mesma digníssima doutora por não gostar.
E tanto desconhece a doutora que vem falar de mutilação sexual aumentando mais ainda a confusão, já que este elemento não é, nunca foi e nunca será islãmico, mas sim africano, algo que foi duramente combatido pelos primeiros muçulmanos e que infelizmente ainda perdura no continente africano e contamina o mundo com o seu sangue sujo.
Há violência contra nós mulheres nos países do Oriente Médio? Há sim, como há aqui, na Europa, nos EUA, na Antàrtida, infelizmente em qualquer país. E há direitos e conquistas também, vejam por exemplo a participação da Azmaa Mahfouz no movimento de libertação do Egito, a já citada partipação das jovens na universidade e em vários campos profissionais, e muitas outras coisas que a História Única cruel e desumana contada pela digníssima autora do porco texto não leva em conta.
E contar uma História Única, onde não existem individualidades, onde não existe igualdades mas apenas diferenças, onde não existe a chance de se ter todos os pontos de vista e situações levados em consideração, é sempre um exercício de hipocrisia, e um criadouro de preconceito.
E desta forma não se promove nem os direitos das mulheres, e nem a justiça, porque onde existe preconceito e hipocrisia, nunca nunca existirá justiça.
Sobre tudo isto, eu só lamento a oportunidade que a digníssima doutora teve, de se calar e não proferir impropérios vergonhosos como este texto.
Meus pêsames!!!
Salam!