sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Há Três Estrelas Lá Fora



Há três estrelas lá fora.

Não eu não estou brincando há de fato três estrelas lá fora, as únicas estrelas visíveis no céu desta noite. Eu olho para elas, e elas olham para mim.

Ficamos assim um tempo, as quatro, nos encarando, observando e pensando, pensando, e indo embora com o pensamento...

Eu pouso meus olhos então sobre a cidade que bóia na escura fumaça da noite paulistana, uma cidade imensa, daqui de cima da minha janela parece uma galáxia suspensa no espaço e piscando para o infinito.

Algo tão grande, tão gigantesca perto de mim... mas ao mesmo tempo pequena, uma caixinha, um canto qualquer, um alfinete perdido no chão da sala que é o Universo, ou até mesmo o Planeta!

Meu pensamento me leva a imaginar outros mundos, outras vidas, outras cidades galáxias perdidas na imensidão do espaço que é o espaço que vivo e no qual estou inserida e ao mesmo tempo tão deslocada de tudo e de todos, me sinto pequena e desprotegida assim, mas também ansiosa por saber a resposta de um enigma que trago comigo, dentro de mim.

Há três estrelas lá fora, e elas estão olhando para mim, curiosas, talvez acompanhando o desenrolar desta história toda e ansiosas como eu por saber como será que vai ser o próximo capítulo desta trama emaranhada.

Há três estrelas lá fora... as mesmas que brilham no céu de Istambul, e talvez elas mesmas estejam olhando para outra garota perdida em seus pensamentos em Londres, em Cuzco, em Meca ou em Rhiad...

Há tanta vida lá fora, e agora há também tanta vida nova em mim... agora que estou viva eu penso que tenho novos desejos, novos anseios, mas também sinto medo observando as estrelas, medo de não conseguir o que meu coração pede agora. Eu deveria estar confiante não? Talvez eu esteja sim, apenas um lapso momentâneo de certezas ao olhar as estrelas e me sentir tão pequena no meio do oceano da vida. Afinal, o mais difícil, o mais improvável, o mais impossível, eu já consegui!

Que é estar viva! Me reconstruir, quebrar com a minha batalha a cela de ferro sem vida e sem porta e conseguir respirar e sentir o ar novo e sair da tumba e ver a luz! Eu olho para trás e não vejo mais as pegadas, mas sei da história completa e sei que foi uma epopéia e é inacreditável se eu contar a jornada completa!

Ma sha Allah! Ma sha Allah...

O que aconteceu comigo? Como eu vim parar aqui nesta noite quente sentindo o pulsar do meu coração e pensando assim? Esta é a primeira noite de minhas férias, agora sim eu posso deitar minha cabeça na relva, entre as menores flores do campo, e descansar...

Houve uma noite, certa vez, em que eu era ainda três, assim como as três estrelas do céu. Eu estava então ferida de morte, e desesperada não aguentava mais sentir as lágrimas de sangue jorrando de mim, eu não aguentava mais, estava em meu limite e me sentia de fato um brinquedo quebrado, para sempre, de tanto ser jogada na parede e cair no chão. Eu era então uma poça, não mais que uma poça de sangue largada no chão.
Era eu lá no fundo, de dentro da cela preocupada e querendo saber o que a outra eu iria fazer de mim.

Enquanto isto a menina cruzava mais uma duna no meio do deserto esquecido, e a peregrina esperava porque ela sim sabia! Ela e Deus, mas eu ainda não sabia, que poderia existir o momento em que ela poderia finalmente partir em sua jornada...

Desesperada eu peguei então uma faca, e exaurida em desespero e dor coloquei ela sobre meu pulso direito e pensei: “agora é só escorregar com força, me deitar na cama, e esperar...”

Então naquele momento nós três paramos, a menina se sentou na areia e olhou para mim. A peregrina suspendeu a respiração de susto e nossos olhares finalmente se cruzaram no mesmo lugar em um centésimo de segundo pela primeira vez na vida. Foi só um instante, só uma fagulha, uma olhando profundamente nos olhos da outra, as três paradas esperando o próximo passo a ser dado.

O mundo inteiro parou ao meu redor... e nenhuma das três se moveu. Tudo poderia ter acontecido ali, mas foi então que o Inesperado aconteceu! Porque? Eu não sei, só existe Um que sabe, só Aquele que é único digno de adoração, só Ele sabe o porque de ter me impedido, de ter me guiado por um trecho do caminho impossível de ser lido por uma pequena alma humana, que na pequena percepção de uma pessoa não tinha lógica nenhuma, mas mostrou-se de fato o caminho mais reto e mais certo, só Ele sabe o porque disto tudo.

Ele fez coisas incríveis! Até para longe d´Ele mesmo Ele me levou, eu pequena e de pouca visão pensando que era então um rompimento com Ele mas não era não, era um rompimento com as mentiras que me contaram desde pequena sobre quem e como Ele era, hoje eu sei, foi o corte profundo que iniciou uma verdadeira cirurgia de ressucitação.

Voltar a viver! Ou melhor, começar a viver de fato! Voltar, recomeçar, religar, RELIGARE, Religião...

Voltar a viver.... voltar a Deus, de onde eu vim, para onde eu vou... Porque eu sou muçulmana? Porque quando eu estava pronta depois de tudo isto, eu escutei o chamado de volta, e finalmente eu pude entender todo o sentido do Livro das Sombras e pude voltar, porque Ele me chamou de volta... porque só Ele esteve presente desde o fim, até o começo.

Porque só Ele estava lá.

Agora eu olho para as três estrelas no céu e desejo tanto completar a missão... será que mesmo assim ainda é possível? Será que é muito eu desejar apenas o que toda garota deseja, a continuação da história?

Eu não sei, novamente eu não sei... mas sei que Ele tudo sabe, e que a Ele pertenço, assim como minha vida, minha existência, e o que vai acontecer daqui para frente.

Três estrelas! Há três estrelas no céu...

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