sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Passos na Areia


Houve uma vez uma peregrina. Uma mulher que recebeu uma missão, a missão para a qual ela existia de fato, a missão que seria a coisa mais importante de sua existência, e que sendo cumprida, levaria com a sua conclusão também a sua vida, ela sabia disto, e era preciso fazer, e só ela poderia fazer a grande viagem para dentro das areias do deserto da desolação, para cumprir a sua missão.

Houve uma vez uma mulher que se cobriu de negro, um negro profundo! Escuro e fechado como a noite, um manto negro, da cabeça aos pés, que cobria todo o seu rosto, que a envolvia inteiramente a não ser seus olhos.

Seus olhos já não enxergavam mais este mundo ao contemplar o horizonte. De tanta dor, de tantas lágrimas vertidas, de tantas gotas de sangue choradas, eles agora permaneciam fixos em sua missão, no horizonte cru e desolado de vida das areias do deserto à sua frente, ela permanecia parada, mirando este horizonte vazio, as nuvens se tornavam verdes no reflexo de seus olhos, não havia mais água a ser vertida, tudo estava consumado e a única esperança seria cumprir a sua missão, seus olhos apenas serviam agora para ver isto, no entanto mesmo assim continuavam brilhantes, abertos, vivos!

Houve uma vez uma mulher assim.

Houve uma vez, também no deserto, uma menina. Ela era pequena e brincava com a sua boneca, mas estava sozinha, havia sido ferida, e assustada foi lançada para longe de seu caminho.

Agora ela estava perdida, mergulhada nas areias desoladas do Deserto dos Ventos Esquecidos e apesar de ansiar pelo dia em que seria resgatada ela sempre fugia, e se escondia, porque havia sido seriamente ferida, e a dor havia aberto nela uma grande chaga, que permanecia jorrando em sangue, manchando de vermelho tudo à sua volta, e ela mesma.

A mulher permanecia parada, imune a tudo e a todos à sua volta, na beira do abismo, na beira do deserto, areia e solidão na sua frente, o vento envolvia seu manto negro, seus olhos refletiam o horizonte desolado do deserto, ela apenas esperava, apenas esperava o momento em que daria o primeiro passo em sua peregrinação, e tentava adivinhar por entre as dunas infinitas daquele tórrido deserto, onde estaria o motivo de sua missão, uma menina pequena e ferida, que precisava ser resgatada.

A mulher e a menina...

Elas estavam morrendo... as duas estavam morrendo, e não havia mais tempo a ser perdido, a única forma de ainda haver vida, era encontrar e resgatar a menina, mas para isto, uma delas teria de perder a vida.

Se a menina perdesse a vida, as duas pereceriam, mas se a menina fosse encontrada, então a peregrina perderia a sua vida, mas a menina teria uma chance de sobreviver.

Então finalmente chegou a hora certa, e a peregrina se tornou de fato peregrina, ao dar o primeiro passo para dentro do Deserto da desolação. O vento a atacou com fúria, o caminho rasgou suas carnes, seu rosto, suas vestes mas ela resistiu a tudo, e depois de se perder por muitos anos no meio do deserto, um dia ela encontrou a menina! Pode então se aproximar, segurar em sua mão, enxugar suas lágrimas, estancar o sangue de sua ferida, e lhe mostrar o caminho reto para sair do deserto.

A peregrina havia cumprido a sua missão, mas pagou com a sua vida por isso.

No fim do caminho, não havia mais a mulher e a menina, a peregrina se desmanchou na estrada, e finalmente pereceu.

No fim do caminho de volta, apenas uma das duas saiu do deserto, não mais uma menina, mas de fato uma nova mulher...

Porque eu sou muçulmana? A resposta é uma só! Porque esta história não é uma fábula! Porque esta história aconteceu de fato, porque é a minha história de vida, porque eu sou a peregrina que pereceu no deserto, porque eu sou a menina que foi resgatada, e que assim pode finalmente crescer, e se tornar de fato uma nova mulher.

Porque eu sei! Eu sei sim, e nunca poderei fazer quem me lê sentir a força desta certeza, eu sei que fui conduzida, que fui preservada, e que eu não poderia estar aqui escrevendo estas poucas linhas aqui se não tivesse sido renascida da morte, como fui de fato.

E por causa desta minha certeza, eu louvo a Allah todos os dias da minha vida. Porque Ele me deu a vitória! Porque eu não fui destruída...

Agora eu olho para trás e já não vejo meus passos da areia, não há mais passos a serem seguidos, porque todo o caminho nunca será esquecido, mas eu agora tenho de fato uma nova vida para viver, um novo mundo para conhecer, e novos passos para serem dados na areia, mas não há mais o deserto, agora eu estou na praia...

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